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Mulher, Margarida, teu nome é resistência.

No coração da 6a Marcha das Margaridas, em Brasília.DF, mulheres de todo o Brasil marcharam, contra o machismo, a misoginia, pelo direito de plantar, comer, ter paz, rir à vontade e pelo direito de ser feliz.

Publicado: 15 Agosto, 2019 - 13h41 | Última modificação: 15 Agosto, 2019 - 14h24

Escrito por: CUT-PA - Lidiane Martins

Lidiane Martins
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Marcha das Margaridas, em Brasilia/DF, no dia 14/08

Mulher, Margarida, teu nome é resistência. (Por Lidiane Martins, no coração da 6a Marcha das Margaridas, em Brasília.DF).


Sentir-se perdida parece ter se tornado comum e corriqueiro nos dias atuais. Digo isto sobre mim e algumas mulheres que admiro demais, para além da relação de amizade e proximidade que temos - ou não.
Uma delas me pôs na delegação de mulheres que marcharam rumo a Brasília nesta última semana, a sexta Marcha das Margaridas. Minha missão era simples: cobrir a trajetória em um dos ônibus que sairia de Belém do Pará levando mulheres de várias regiões do estado e de realidades semelhantes em muitos aspectos e absolutamente distintas em outros. 

Mana Josy brilhou na Marcha

Mana Josy


Joseane Franco Teles é uma dessas mulheres. Mais conhecida como mana Josy, tem presença ativa na militância do movimento hip-hop em Belém e mesmo já tendo conquistado um espaço na cena, precisa vencer o preconceito de cor e de gênero diariamente. Com algumas horas de estrada, ela levanta de sua poltrona e chama um batuque dentro do ônibus com suas letras cheias de força e significado: resistência. Eu olhava para ela com seus cabelos longos e coloridos trançados, ouvia seu hip-hop e pensava "como posso me sentir perdida diante de tamanha poesia?"

Parte da delegação Para 

Seguimos viagem compartilhando histórias, risos, frustrações, alegrias em um ciclo infinito de verdadeiras Margaridas em marcha. Cada mulher ali vencendo uma batalha pessoal em nome de um coletivo gigante de mulheres esquecidas e violentadas em seus direitos por um governo misógino e machista.
Bárbara, Erika, Franciane, Neila, Ana, Laura, Francisca, Tainá, Elba, Alda, Beatriz, Gercina, Kátia, Rosinha, Danielle, Wanda, Lena, Regina, Lorena... Todas Marias. Todas Marielles. Todas Margaridas.
O que mais me surpreendeu e tocou na trajetória foi a percepção dessa capacidade que as mulheres têm de se despirem de suas próprias dores e vestirem-se com a dor e nomes de outras que foram tão vitimadas a ponto de perderem a própria vida em nome da liberdade de todas nós. E dói. 

Para além da união e das mãos dadas ali naquele ônibus, dói não ter Margarida Alves conosco. Contudo, é em nome das que já não estão aqui, que elas não permitem que está dor as paralise. A resistência de Margarida as empurra pra frente. E com alegria, elas continuam.
Já em Brasília, dia 13/ago/19, enquanto elas marchavam lá fora com as mulheres indígenas, eu e outras tantas fomos para a audiência pública homenagem à Marcha das Margaridas no plenário da Câmara dos Deputados . Eu nunca havia posto os pés ali. Muitas mulheres também não.
Quando me foi dito que eu entraria para fazer a cobertura, pensei no quanto queria estar na rua. Os prédios de Brasília e seus poderes sempre me soaram ofensivos e asquerosos. Sim, asco. Foi o que senti ao por os pés ali e observar as pessoas entrando com seus ternos, saltos, narizes empinados e olhares de superioridade. Queria não entrar. Não me misturar. 
Mas, estando lá, ouvindo as falas de pessoas que admiro politicamente só conseguia pensar que havia algo de muito errado com a minha sensação de não pertencimento. Quando a Sônia Guajajara entrou na Câmara, a força que ela emana e a energia ancestral dos povos originários, me paralisou. Fiquei segundos sem entender o que acontecia para, então, notar que eu não poderia mesmo estar em outro lugar.
Desde 2016 venho lutando comigo e contra mim para não desistir de viver. Perdi as esperanças com a mesma proporção da força de Dilma se defendendo do golpe. Ainda que ela não tenha baixado a cabeça uma única vez, ver aquela mulher sendo tratada com tamanha desonestidade, me fez diminuir. Desde então me sinto pequena, coisinha tipo besouro.
Ser mulher nunca foi fácil, mas acreditar que a guerra está perdida faz com que o sentido de viver deixe de existir.


"Meu território é a minha própria existência!"


É trecho da fala de Guajajara. Foi o que me fez pensar que se a minha própria existência vem perdendo o sentido, qual é o território que me foi tomado? Qual quinhão de terra foi roubado debaixo dos meus pés e me fez sentir etérea a ponto de querer desistir? E por que elas não desistem? De onde esta força?
"Somos poucos aqui dentro e a presença de vocês nos faz lembrar os motivos de não desistirmos", disse o deputado federal maranhense Bira do Pindaré.
Foi a resposta que precisava: é nosso aquele prédio. Os poderes de Brasília pertencem ao povo ainda que os que ali estão tentem nos fazer esquecer.
Ver de perto a força de mais de cem mil mulheres vindas de todos os cantos do Brasil, em Marcha, tem uma energia e emoção que não me julgava capaz: nós SOMOS o poder.
A chama da vela de minha existência esteve apagada desde 2016, mas as chamas das velas da existência destas mulheres jamais permitiriam que eu saísse de Brasília sem vida.
Entendi o verdadeiro significado de "ninguém solta a mão de ninguém".
Uma água compartilhada, um almoço dividido, um cobertor que dá conta de duas, um batuque que aquece um ônibus inteiro, uma sandália emprestada, um cachecol para uma grávida, um abraço em uma desconhecida, um sorriso em meio à dor de um pé pisado sem querer... Que privilégio presenciar pequenos gestos e entender, por fim: não é que sejamos solidárias umas com as outras, é que estamos todas em uma! 
Se fere a existência dela na cidade, dela no campo, no rio, na mata, fere a todas e seremos sempre resistência.
Maria, Marielle, Margarida: todas vivas em cada uma de nós.
Todas lutando as lutas cotidianas e as gerais. Com a solidariedade de pequenas gestos que naquele coletivo que caminhou só em Brasília 7 quilómetros, faz toda a diferença . 
E como disse a deputada federal petista Érika Kokay na condução da audiência pública na Câmara dos Deputados: por que elas marcham?
- Elas marcham por seus filhos e filhos das outras. Marcham contra o machismo, a misoginia, marcham pelo direito de plantar, comer, ter paz, rir à vontade e pel direito de ser feliz. Marcham por Lula Livre e marcham para ter o Brasil de volta. Marcham para que não sequestrem seus sonhos . E por isso, marcham com o corpo, alma e história dizendo desde as entranhas:

- Fora , Bolsonaro!

Texto e fotos - Lidiane Martins